
Dia desses resolvi caminhar pelas ruas do meu bairro. Era final de tarde e não resisto àquele céu multicores, iluminado pelos raios de sol alaranjados, anunciando a proximidade da noite.
Mas, ao passar pelo portão, ouvi uma movimentação diferente de passarinhos. Não era o cantar suave que habitualmente se ouvia naquela rua. Estavam agitados, numa algazarra que mais parecia a bagunça de outras ilustres frequentadoras (nadas discretas) da região, as famosas Maritacas.
Olhei para a copa das árvores, tentando rastrear o som. Avistei um grupo agitado de sabiás, em um dos galhos do Ipê rosa. A princípio, não entendi a agitação, até que vi um Carcará na mesma árvore, em galho próximo.
Parei para observar a cena.
Os sabiás pulavam e voavam ao redor do carcará, alguns tentavam bicá-lo. Incomodado, o gavião voou para a árvore da frente, e lá foram os pequenos sabiás atrás. De novo, e de novo. Fui junto, seguindo-os do chão. Na quarta ou quinta árvore, a ave, chamada de pássaro malvado na música de João do Vale, eternizada na voz de Maria Bethânia, pareceu desistir. Voou sem rumo certo, para algum lugar suficientemente longe daqueles passarinhos. Ao menos é o que imagino, já que eles se acalmaram.
Passei o restante da caminhada refletindo sobre aquele momento singelo.
Coragem
Aquele Carcará provavelmente estava ali rondando os ninhos, em busca de ovos ou de filhotes para se alimentar. Não sei se os sabiás são sempre assim tão corajosos, mas naquele momento eles tinham um motivo forte para se arriscarem: precisavam proteger os seus.
Propósito
Isso me faz pensar no quanto a natureza é sábia. Não importa se somos “pequenos” diante de um problema. Se tivermos um propósito maior a nos mover, conseguiremos superar o insuperável, como aqueles delicados sabiás fizeram com o seu predador.
Estratégia
Os passarinhos não tinham como competir em força com a grande ave, conhecida por comer até cobras, por isso precisavam lutar com o que tinham. No caso, “atazanaram” o Carcará, até ele ser vencido pelo cansaço.
O poder do coletivo
Provavelmente esses sabiás só se encheram de coragem, e venceram o inimigo, porque eram muitos, e estavam juntos. Sozinhos, não teriam vez. Provavelmente se tornariam alvo, ou perderiam seus filhotes. Mas, juntos, eles se distribuíram, entre “gritos” e “bicadas” suficientes para espantar o carcará solitário.O que nos leva a crer que as redes de apoio são importantes em toda a natureza.
Afinidades
Nesse grupo coeso, só havia sabiás, embora Anus-brancos, Bem-te-vis e Pombos também sejam frequentadores assíduos da área. Isso me faz pensar na importância da família. E quando me refiro à família, expando o conceito também para a família que a gente escolhe, composta por amigos, grupos religiosos ou pessoas que, de alguma forma, identificam-se conosco. São essas as pessoas que irão nos apoiar nos momentos difíceis, muitas vezes lutando a nossa luta, ombro a ombro, pois sofrem com a nossa dor. Dificilmente TODOS aqueles sabiás tinham ninhos vulneráveis naquela rua, mas, no mínimo, foram solidários.
Enquanto os passarinhos se dispersavam, também me despedi daquela cena, refletindo sobre a importância de nos cercamos de pessoas que realmente se importam conosco. Lembrando que importar-se não significa, necessariamente, pensar igual ou concordar com tudo. Justamente por isso, desconfie de quem lhe afasta dos que o amam de verdade, incluindo sua família, amigos ou mesmo projetos. Lembre-se: quando estamos sozinhos, nos tornamos mais vulneráveis. E manipuladores não só sabem disso, como se aproveitam dessa fragilidade.
A última lição vem justamente pelo “vilão” dessa nossa história... ele e sua impressionante resiliência.
O Carcará é um animal muito adaptável. É encontrado tanto em campos abertos, como em matas e até nas praias. Come insetos, lagartos, ovos ou filhotes de outras aves, serpentes, aranhas, minhocas, outros invertebrados e até carniça. Come também frutas e grãos que encontra no chão. Mas mesmo com tanto jogo de cintura, dessa vez, a poderosa ave de rapina percebeu que o ambiente não estava muito propício… daria trabalho demais enfrentar aquele grupo coeso de sabiás. Portanto, mesmo sendo o temido predador, ele simplesmente se afastou, em busca de presas mais solitárias e desprevenidas ou simplesmente em busca de paz. De fato, às vezes o custo energético de certas empreitadas não compensa. Nesses casos, é mais inteligente irmos em busca de outras oportunidades, com serenidade.
E a nossa mente segue voando e aprendendo… ora com os sabiás, ora com os Carcarás, nessa grande aventura que é a vida.
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