Como uma ida à praia seguida de uma conversa com a cabocla me fizeram olhar para o mar de emoções que existe em mim
Nesse sábado teve gira de caboclo no Centro de Umbanda. Há quase um mês eu não participava da sessão, por isso queria muito ir. E não fui sozinha. Meu marido topou me acompanhar.
Estávamos um pouco atrasados, mas engoli a vergonha e entrei mesmo assim. Sentei no último banco de madeira disponível, aguardando minha vez. Apesar da chegada apressada, experimentava uma quietude interna singular, bem diferente da agitação em que me encontrava na visita anterior, quando conversei com a Pomba Gira. Creditei ao feriado prolongado que passei em Búzios com o maridão. Embora tenha sido uma viagem de apenas 4 dias - e eu estivesse preocupada com os filhos (gatinhos) que ficaram em casa sob a supervisão da avó - o banho de mar, somado ao descanso das tarefas e das responsabilidades, foi suficiente para me relaxar.
Um cheiro de mata emanava do chão, coberto pelas folhas de Jurema. Sentada ali, no último lugar da fila, passei a filosofar sobre a vida, usufruindo da serenidade do momento:
‘A coisa mais importante é nos mantermos em paz’ - constatei - ‘No final das contas, todos os problemas são contornáveis. Acho até que contorná-los faz parte do aprendizado.’ - analisei, relembrando alguns desafios que superei recentemente
‘Se mantivermos a nossa paz de espírito, somos capazes de administrar todo o resto!’ - concluí.
Ainda envolvida pelo clima interno ameno, percebi que não havia nenhuma questão específica me afligindo. O que eu desejava era manter a paz.
‘Pedirei um passe ao caboclo’ - planejei.
A cambone me direcionou para uma segunda fila, mais próxima do Congá, indicando que se aproximava minha vez. Enquanto aguardava, resolvi me certificar de que estava tudo certo se eu apenas tomasse o passe e fosse embora, sem me preocupar em conversar com a entidade.
‘Deus, se houver algum recado mais específico para mim, pode mandar, que estou de coração aberto’ - mentalizei - Mas, se não houver, já estou satisfeita com o passe.
Geralmente, nos breves instantes que antecedem a entrada no Congá, quando já sou a próxima da fila, fico curiosa tentando adivinhar para qual entidade serei direcionada (sim, sou muito ansiosa!). Desta vez, contudo, apenas relaxei, e deixei fluir…
Assim que recebeu a autorização do Pai de Santo, a cambone me pegou pelas mãos e me levou a uma cabocla.
Não a conhecia. Embora frequente a Casa há um certo tempo, são muitos médiuns.
Há caboclos e caboclas com diversos perfis, como nós somos diversos. Alguns, parecem grandes guerreiros, mesmo que estejam incorporados em delicados corpos femininos. Outros, verdadeiros pajés, dominando com maestria as ervas. Alguns outros parecem entidades indígenas saídas diretamente das florestas: falam pouco ou quase nada de Português. Comunicam-se por palavras-chave e gestos.
Essa cabocla, em específico, parecia uma doce indígena. De fala mansa e sorriso sereno, emanava uma ternura indescritível quando me aproximei.
Me posicionei de frente para ela. Estava tão encantada com a energia que me embolei nos cumprimentos.
Esses espíritos têm um jeito característico de nos cumprimentar, diferente das outras linhas. Geralmente atendem de pé e, ao chegarmos, é comum nos receberem com um bater de ombro, saudando nossa direita e nossa esquerda. A doce cabocla optou por batermos nossos antebraços. Era a guerreira que ela é saudando a porção guerreira que existe em mim.
- Como posso lhe ajudar? - Perguntou, tranquila, assim que me recompus.
- Vim em busca de um passe. Andava muito agitada recentemente, mas, talvez por influência de uma visita à praia, consegui me acalmar. Por isso hoje peço apenas paz, harmonia e sabedoria, para ir conduzindo a vida.
- Que bom que você acolheu o convite de Iemanjá - respondeu, enquanto me olhava nos olhos - Assim como sua mente, o mar também fica revolto. Mas ele não é apenas agitação. No mar, também há calmaria.
‘A cabocla tinha razão’ - pensei, enquanto me dava conta de ter constatado essa realidade na prática: às vezes, a agitação e a calmaria estão literalmente presentes no mesmo lugar.
- Nessa viagem - relatei - estive em uma praia chamada Brava. Quando a visitei pela primeira vez, em outra ocasião, não tive coragem de entrar no mar, estava com muitas ondas. Na última semana, contudo, parecia uma lagoa. A praia Brava estava mansa, por uma simples mudança na direção dos ventos.
- Essa calma também faz parte de você - complementou a entidade - Agitação e calma podem conviver juntas, a gente só precisa respeitar essas forças,
entendendo como acolhê-las e como aproveitá-las.
- Conforme os ventos se apresentem favoráveis, né?! - emendei, querendo demonstrar que estava acompanhando o raciocínio.
- Algumas vezes - continuou - basta contemplar, de longe... Em outras, nossa alma não vai sossegar enquanto não fizer um mergulho, mesmo que a água esteja bem gelada. Faz parte da vida.
- A dualidade…
- Dia, noite, luz, sombra… A dualidade faz parte do movimento, portanto não precisamos temê-la, ela é natural e necessária.
Após alguns segundos em silêncio, aguardando eu assimilar a conversa, ela continuou:
- O mar também nos fala de ciclos e de conexão. Pense nas marés: o movimento das águas modifica o relevo, influencia a vida marinha e afeta a navegação.
- E, ao mesmo tempo, a maré se relaciona com as fases lua. - Complementei, lembrando o quanto o cotidiano das pessoas que vivem nas regiões costeiras é impactado pela tábua das marés.
- O mar e a natureza nos ensinam muitas coisas. Pense nas ondas: o que percebe?
- Elas também têm fases - Respondi, enquanto visualizava o processo - A onda se forma aos poucos, vem de longe, ganha velocidade, altura, e então se quebra. Às vezes de forma violenta, outras nem tanto.
- A vida não é assim? - Me instigou - E quantas vezes precisamos recuar, como as ondas, antes de pegar impulso para o grande movimento?
- E se a gente não se atenta ao movimento da onda, ou da vida, leva um “caldo” terrível!
Rimos juntas.
- São forças que merecem ser observadas, compreendidas e respeitadas, pois fazem parte de nós, compõem nossa essência. Seremos mais felizes quando aprendermos a acolhê-las, aproveitando da melhor forma o que cada fase tem para nos proporcionar.
Mas vamos ao seu passe…
CONTINUA…
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